Fonte: Valor Econômico

Disputa entre Saj e Almanara envolve acusação de cooptação de funcionário para abrir a receita; juiz vê concorrência desleal

Uma receita de pão sírio é o ponto central de uma disputa concorrencial entre os restaurantes de comida árabe Saj e Almanara. Sentença da 1ª vara empresarial e conflitos de arbitragem do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) condena o segundo a pagar R $25 mil em danos morais ao Saj. A rede nega a conduta e pretende recorrer.

No processo, o Saj alega que um de seus carros chefes é o pão sírio que, apesar de ser tradicional e oferecido em qualquer restaurante de comida árabe, é “diferenciado” na casa.

De acordo o advogado do Saj, Renato Spolidoro, sócio do escritório Zürcher, Caiafa, Spolidoro e Schunk, entre 2014 e 2015 a rede percebeu que o Almanara passou a servir um pão sírio “inflado” como o que eles comercializavam.

Em 2017, segundo o advogado, o grupo descobriu que um de seus funcionários teria recebido R $700 para ensinar a receita.

Spolidoro destaca que não é possível patentear receitas, mas que a concorrência desleal nesse caso fica evidente pela cooptação do funcionário que ensinou um segredo industrial. “Apresentamos provas de que o pão do Saj era um sucesso e ninguém falava do pão do Almanara”, afirma.

O restaurante propôs uma ação com pedido de danos morais e materiais por prática de atos de concorrência desleal.

O Almanara alegou na ação que a receita do seu pão é a mesma há mais de vinte anos. Ainda segundo o grupo, o cozinheiro buscou emprego no Almanara e fez o pão seguindo a receita da rede como teste.

Sentença

Na decisão, o juiz Luis Felipe Ferrari Bedendi afirma que, apesar de a concorrência desleal ser tratada nas leis brasileiras como um fenômeno típico da propriedade industrial, ela é mais ampla. “O que a caracteriza em essência não é a violação de direito patentário ou marcário, mas sim a vontade de enganar, confundir, o tomador de certo serviço ou consumidor de um produto, ou de aproveitar-se dolosamente da posição do concorrente”, afirma.

A prova da cooptação do funcionário ocorreu por meio de depoimentos prestados, segundo o juiz. Um dos depoimentos diz que o funcionário cooptado dizia ter sido chamado por um funcionário do Almanara para ensinar a fazer pão árabe na unidade da rua Oscar Freire, mediante pagamento, sem ter recebido proposta de trabalho.

Já a testemunha do Almanara alegou que a receita do pão sempre foi a mesma e que havia um teste prático para quem procurava emprego, que consistia na confecção de pão ou outro prato.

De acordo com a testemunha, a produção do pão do Almanara mudou porque ele deixou de ser produzido por uma central e distribuído passando a ser feito por cada unidade da rede, mas sem alteração na receita ou convidado para ensinar a fazer pão.

A diferença é que passou a ser servido quente quando passou a ser feito por cada unidade, de acordo com outra testemunha.

Para o juiz, contudo, a partir do conjunto de depoimentos, em especial de testemunha do Saj, ficou evidente a concorrência desleal. Na decisão o magistrado considera que o restaurante cooptou funcionário do concorrente a revelar segredos comerciais, no caso, a receita do pão.

Segundo o juiz, os efeitos práticos dessa conduta são duvidosos. Como o Almanara é uma rede grande, em que os restaurantes seguem as mesmas diretrizes, aquele fato isolado não revelou potencial de dano direto e concreto.

“Tudo indica, em síntese, haja ocorrido concorrência desleal pela revelação de segredo comercial, mas sem a concretização de dano material”, afirma o juiz na decisão. Os danos morais são verificados como “mera decorrência da prática de concorrência desleal” diante da potencialidade de prejuízo ao agente econômico e do “ardil” da conduta.

Recurso

A defesa do Almanara informou, em nota, que o restaurante tem mais de 70 anos, que utiliza receitas de seus fundadores originários do Líbano e não teria motivo para tentar imitar uma receita de pão sírio de um de seus concorrentes. A receita atual em uso pela rede tem mais de 20 anos, de acordo com a nota.

A defesa destaca que o restaurante foi absolvido quanto ao pedido de danos materiais, mas que pretende recorrer de parte da decisão porque “não há prova de qualquer conduta da empresa ou de seus prepostos que possam ter gerado dano moral ao autor da ação”.

Ainda segundo a defesa, não há prova de aliciamento indevido do funcionário do Saj. O restaurante alega que o funcionário esteve em busca de emprego e não recebeu pagamento, assim como não foi solicitado que ensinasse receita. “O pão sírio do Almanara é bem diferente daquele do seu concorrente, como mostram os laudos periciais e como reconhecido pela sentença”, afirma a defesa em nota.