A digitalização da vida cotidiana trouxe uma série de desafios, incluindo o
direito sucessório. No passado, os bens eram, em sua maioria, físicos, e sua
transmissão aos herdeiros era relativamente simples. No entanto, com o
surgimento de bens digitais, como contas online, propriedades virtuais e dados
pessoais, a sucessão se tornou mais complexa.

A herança digital é dividida em três categorias: (i) bens digitais patrimoniais; (ii)
bens digitais existenciais; e (iii) bens digitais híbridos. A herança digital pode
incluir contas online em diversos aplicativos e sites de compras, como redes
sociais, e-mails, serviços de armazenamento em nuvem, entre outros.

 

1. Complexidades do direito sucessório digital.
Um dos principais desafios do direito sucessório digital é a dificuldade de
acesso aos bens digitais. Em muitos casos, os herdeiros não possuem as
senhas ou outros dados necessários para acessar as contas do falecido. Além
disso, as empresas responsáveis pelos serviços digitais comumente dificultam
ou até mesmo impedem o acesso aos bens, sob o argumento de que os dados
são de propriedade exclusiva do falecido.
Outro desafio é a natureza híbrida dos bens digitais. Alguns bens digitais, como
contas bancárias online ou investimentos, têm natureza patrimonial e podem
ser transmitidos aos herdeiros da mesma forma que os bens físicos (bens
digitais patrimoniais). No entanto, outros bens digitais, como contas de redes
sociais ou e-mails, têm natureza existencial e estão relacionados à intimidade e
à privacidade do falecido (bens digitais existenciais). Nestes casos, a
transmissão aos herdeiros pode ser questionável, sob o argumento de que
violaria o direito à privacidade do falecido. Por fim, tem-se contas e logins em
sites de comercialização de produtos ou criptoativos, nas quais além de saldo
disponível, há informações estritamente pessoais do falecido (bens digitais
híbridos).

 

2. Propriedades digitais.
As propriedades digitais, como tokens não fungíveis (“NFTs”) ou moedas
virtuais, representam um novo desafio para o direito sucessório. Essas
propriedades são, em sua maioria, intangíveis e não possuem uma localização
física. Além disso, as regras que regem sua propriedade e transferência são
complexas e podem variar de acordo com o país ou a plataforma.
No caso dos NFTs, tokens não fungíveis que representam a propriedade de um
bem digital único, a questão da sucessão é ainda mais complexa. Os NFTs
podem representar bens físicos, como obras de arte ou imóveis, ou bens
virtuais, como avatares ou itens de jogos. No caso de bens físicos, a sucessão
é relativamente simples, pois os NFTs podem ser transferidos aos herdeiros da
mesma forma que o bem físico. No entanto, no caso de bens virtuais, a sucessão
pode ser mais complexa, pois envolverá questões de propriedade
intelectual ou direitos autorais, além de eventual recusa da empresa que
armazena o bem digital, alegando que está situada fora das fronteiras
nacionais e sob jurisdição de outra legislação.

 

3. Preservação de dados após a morte.
A preservação de dados após a morte é outro desafio importante para o direito
sucessório digital. Os dados pessoais do falecido podem ser um valioso
patrimônio, mas também podem representar um risco à privacidade de seus
familiares e amigos.
No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD”) prevê que os dados
pessoais devem ser eliminados após o falecimento do titular, a menos que haja
um interesse legítimo para sua manutenção. No entanto, a lei não é clara sobre
o que deve ser considerado um interesse legítimo.
A questão da preservação de dados após a morte é complexa e envolve uma
série de interesses conflitantes. Por um lado, é importante respeitar o direito à
privacidade do falecido e de seus familiares. Por outro, também é importante
preservar os dados pessoais do falecido, que podem ser de valor para
terceiros.

 

4. Correntes doutrinárias
Assim como no direito sucessório tradicional, existem diversas correntes
doutrinárias no direito sucessório digital.
A corrente mais tradicional defende que os bens digitais devem ser tratados
como bens físicos, e que sua transmissão aos herdeiros deve seguir as
mesmas regras do direito sucessório tradicional.
Outra corrente defende que os bens digitais devem ser tratados como bens sui
generis, com regras próprias de transmissão. Essa corrente argumenta que os
bens digitais têm características únicas que os tornam diferentes dos bens
físicos, e que, portanto, não podem ser tratados da mesma forma.
Uma terceira corrente defende que os bens digitais devem ser tratados como
bens pessoais, e que sua transmissão aos herdeiros deve ser limitada. Essa
corrente argumenta que os bens digitais estão relacionados à intimidade e à
privacidade do falecido, e que, portanto, não devem ser transmitidos a terceiros
sem o consentimento expresso do falecido, o que se daria por meio do seu
testamento.

 

5. Conclusão.
O direito sucessório digital é um tema complexo e desafiador, que ainda está
em desenvolvimento. A legislação brasileira ainda não fornece respostas
definitivas para todas as questões relacionadas à sucessão de bens digitais.
No entanto, o debate sobre o tema está avançando, sendo provável que novas
leis e regulamentações sejam adotadas nos próximos anos, não só em âmbito
nacional, mas mundial.
Os principais desafios do direito sucessório digital são: (i) dificuldade de acesso
ao bem ou direito; (ii) a sua natureza híbrida; e a (iii) preservação de dados
após a morte.
As diversas correntes doutrinárias existentes refletem a complexidade do tema.
A solução para esses desafios exigirá um esforço conjunto de legisladores,
doutrinadores e empresas. É importante encontrar um equilíbrio entre os
direitos dos herdeiros, os direitos do falecido e os interesses da sociedade.
Por outro lado, algumas medidas podem ser adotadas para enfrentar esses
desafios, como: (i) elaboração de leis e regulamentações específicas para o
direito sucessório digital, que forneçam diretrizes claras para a transmissão de
bens; (ii) adoção de mecanismos para facilitar o acesso aos bens digitais dos
falecidos, como a criação de um banco de dados central de informações sobre
contas digitais; e (iii) desenvolvimento de políticas de privacidade que sejam
compatíveis com as necessidades do direito sucessório digital.
Essas medidas ajudarão a garantir que os direitos dos herdeiros sejam
respeitados, ao mesmo tempo em que protegem a privacidade do falecido e a
segurança dos dados pessoais.